segunda-feira, 30 de março de 2009

Sobre a Daslú...

É assim que começa o caos. A criminosa é a vítima. Como se crimes múltiplos não resultassem em penas múltiplas. Não, ela "só" sonegou impostos. E mesmo com o processo em curso, continuou a praticar os mesmos crimes. O tal do gilmar diz que deu o 2o. habeas corpus para o dono do Brasil, vulgo Dantas, porque o juiz De Sanctis queria desmoralizar o supremo. Não seria a atitude da madame uma tentiva de desmoralizar a própria justiça? Não seria uma demonstração convicta da crença na sua inimputabilidade? Ou ela continuou a prática para pôr o leite das crianças na mesa? E a comparação é sempre com os crimes mais frequentes na periferia, com o tráfico, o homicídio. Eterno preconceito de uma sociedade que ainda não está pronta para ver ricos sendo presos e algemados. A pergunta que fica é simples. Quantos homicídios poderiam ser evitados se esse dinheiro sonegado fosse utilizado de maneira própria? A origem da criminalidade está no próprio capitalismo. Na ganância desenfreada, no materialismo vulgar. Uns matam mais outros menos, não por mero juízo de valor, mas pela necessidade de continuar ganhando os milhões. Os que têm o estado ao seu serviço matam menos, mas roubam mais. Dantas, Gilmares e Elianes, entre muitos, são o berço de muitos homicídios...

Sem justiça não há paz!

terça-feira, 17 de março de 2009

A paz dos justos

A paz dos justos.


Após cada um dos finais de semana do mundo da bola recheados de tragédias somos obrigados a ouvir a velha ladainha de sempre. Talvez um ou outro personagem novo, deslumbrado com a possibilidade de sucesso rápido. Sem o mínimo de conhecimento de causa, pensa em fórmulas mágicas capazes de solucionar um problema crônico de nossa sociedade, manifesto todos os dias de inúmeras formas, inúmeras vezes, em diferentes circunstâncias. Balbuciam números como se ali existisse alguma solução capaz de se fazer entender as complexas relações que envolvem os diferentes personagens do meio esportivo, particularmente do futebol.

Um grande número de jornalistas despeja sua ignorância e seu preconceito por todos os cantos, se alimentando das tragédias como o urubu da carniça. Partem dos dogmas levianos em que fundamentam seus raciocínios limitados para conseguir chegar apenas a conclusões vazias que guerreiam para ver quem tem o adjetivo mais criativo. Uma guerra de adjetivos e qualificações, desprovida de idéias e fundamentos.

Isso cansa. Lamentavelmente, apenas demonstra que os problemas crônicos relacionados à violência e à falta de organização do futebol brasileiro vão bem, obrigado, assim como também indica a falta de vida inteligente buscando soluções perenes, construídas com engajamento e trabalho, sem rótulos baratos. Se não é "inteligente" quem vai aos estádios num dia de clássico, me parecem menos inteligentes aqueles que vivem para adjetivar os "não-inteligentes", sejam eles torcedores, dirigentes ou jogadores.

Sendo assim, vamos falar de paz de gente grande. Vamos falar de uma paz que envolva os diferentes protagonistas do processo, delegando responsabilidades e cobrando respeito, de todas as partes. Não se exige paz numa cultura de violência mas se constrói a paz. Não se faz paz com uma pseudo-imprensa que legitima a ação violenta da polícia, que fica eufórica sempre que pode apontar seus dedos para os torcedores. Não se faz paz com direitos básicos sendo desrespeitados. Não se faz paz sem punição. E, mais importante, não se faz paz sem tentar mudar a mentalidade e os valores da nossa sociedade. Isso exige educação. E educação exige empenho.

Alguns princípios básicos:

- Todo trabalho que venha a ser feito deve ser pensado no longo prazo. Isso quer dizer que mesmo depois de eliminados os episódios que resultam em mortes, ele deve continuar. Não pode ser deixado no meio do caminho como tem sido feito. Contínuo e ininterrupto, reunindo representantes do Estado, dos clubes, e da sociedade civil (torcedores, organizados e não-organizados, marqueteiros, psicólogos, estudiosos da área, jornalistas). Deve ser em nível Nacional e local, com o levantamento de problemas específicos e relevando as diversidades culturais e estruturais nas diferentes regiões do país. Todas as demandas devem ser ouvidas e atendidas dentro das possibilidades.

- o objetivo é fazer a paz para os torcedores que historicamente freqüentam os estádios de futebol, todos eles, respeitando seus valores e sua cultura. Respeitando o seu modo de torcer desenvolvido ao longo de um século. Uma paz inclusive para aqueles torcedores das finadas Gerais, épicas, do Maracanã, do Mineirão, do Beira-Rio ou do Morumbi, que é agora dos torcedores "VISA". Paz, implica respeitar o direito dos que têm e dos que não têm, rejeitando qualquer tipo de paz financeira, que há muito é sugerida por nossa elite. O que importa se a imprensa submissa, que só consegue enxergar a Europa quando busca uma referência, acha bonitinho os bilhetinhos e as cadeirinhas numeradas se o povão que vive o drama gosta de ficar em pé, abraçado, fazendo o "póropópó geral"? Não se trata de gado, e podemos bem decidir o que é melhor para a gente, quer achem feio, quer não.

- assumimos que moramos num país regido por uma Constituição, da qual emana toda e qualquer lei, pouco importando os caprichos daqueles que são contra a existência das torcidas. Não tem relevância. A idéia já começa diferente. Se nós queremos a paz, partimos do seguinte pressuposto: vivemos num estado de direito e todos são inocentes até que se prove ao contrário. As lideranças não devem viver no gueto. Se alguém deve para a lei cabe à Justiça julgar e punir possíveis culpados. Nós não temos nenhum Daniel Dantas como associado e o presidente do Supremo não nos daria Habeas Corpus ou muito menos se oporia ao uso de algemas contra nossos associados. As torcidas não têm nenhuma razão para se omitir em um processo de paz. Se as torcidas são parte do problema, certamente são a única via para uma paz verdadeira, que não seja pautada apenas pela repressão. As lideranças de torcida devem ser reconhecidas como parte fundamental de qualquer processo que mencione a palavra paz. Não sendo julgados sem que tenham alguma pendência com a justiça, como é feito. A paz de verdade não é feita nos blogs, não é feita nos gabinetes e muito menos nas redações. A paz verdadeira é feita nas ruas. Faz paz quem tem disposição para a guerra. E o pressuposto básico é a justiça.

- o outro lado importante desse processo chama-se Polícia Militar. É preciso criar um destacamento especial para lidar somente com estádios de futebol. Pessoas especialmente treinadas para lidar com multidão em praças esportivas, aprendendo a tratar o torcedor com o devido respeito e deixando de enxergá-lo como um inimigo, evitando os atos de punição coletiva, como ocorrido no Morumbi no último clássico. Devidamente equipados e treinados, procurando estreitar ao máximo a cooperação entre as lideranças de torcida e os oficiais. Esse trabalho, que teve início há muitos anos na saudosa gestão do coronel Resende e que teve continuidade com o coronel Marinho, tem momentos de avanços e momentos de retrocessos. Deve ser aprofundado, aumentando a proximidade dos atores envolvidos e acertando a cooperação entre policiais e lideranças sempre que qualquer tipo de conflito venha a ocorrer. Como meta sempre o diálogo antes de ampliar o uso da violência. Respeito recíproco deve ser construído. Temos que mudar um olhar que infere a inimizade para um que permita nos enxergarmos como cooperadores que possuem objetivos comuns.

- outro ponto é o desenvolvimento de uma legislação específica para crimes em praças esportivas e tribunais móveis capazes de julgar e aplicar a pena no momento do evento. As leis devem endurecer nos casos de utilização de armas, de qualquer espécie, em qualquer local, e buscar a construção de penas alternativas para infrações menores, inclusive impossibilitando a presença de transgressores nos estádios nos dias de jogo do seu time. Essas leis devem ser formuladas com a participação de todos os setores da sociedade civil, e não podem ser carentes de eficácia, levando em consideração todos os problemas já existentes em nossa ordem jurídica. O Jecrim (Juizado Especial Criminal) foi uma experiência válida, e tentou algumas vezes atuar na frente dos estádios. Mas aonde anda? Toda ação - Jecrim, Comissão da Paz, Comissão do PROCON - é importante, mas se e somente se for atuante o suficiente para não cair no esquecimento e desuso. Mais do isso devem ser integradas, para que se alimentem e troquem experiências, traçando objetivos de curto e de longo prazo, se renovando e se desenvolvendo.

- as torcidas devem assumir um compromisso de extermínio de toda e qualquer prática de violência premeditada, criar mecanismos eficientes de punição interna, além de banir qualquer tipo de música que faça apologia à violência.

Depois dos princípios básicos serem respeitados, vamos ao caminho:

- mapeamento de todos principais conflitos e problemas do Brasil envolvendo o futebol,e principalmente os que dizem respeito às torcidas. Identificar todos os jogos que envolvem maior rivalidade e risco de episódios trágicos. O aumento da rivalidade entre as torcidas tem raízes históricas, que passam por problemas ocorridos ao longo do tempo. Um incidente ocorrido num jogo lá da década de 80 em uma caravana específica, num momento em que o policiamento ainda não estava presente, e que se iniciou com uma discussão banal entre dois torcedores alcoolizados, pode explicar a origem de um conflito irracional que se arrasta durante anos. Ao mesmo tempo, existem torcidas que demonstram ter afinidades e desenvolvem uma relação de cordialidade. Tudo isso deve ser relevado. Priorizando e prevenindo os principais conflitos podemos pôr um fim nessas diferenças, que são o que alimenta o ciclo. Eles possuem um lado pessoal e um lado impessoal. Ao mesmo tempo em que muitos dos que brigam conhecem os que brigam nas outras torcidas, mostrando um traço de pessoalidade, os conflitos têm o poder de se perpetuar no tempo, envolvendo as gerações futuras, o que o torna também impessoal. Mesmo os que nunca tiveram problemas, nunca pensaram em brigas, e que por ventura se disponham a acompanhar seu time pelo seu estado e pelo Brasil, terão que lidar com uma realidade complexa, da qual a violência já é parte.

- reuniões antes de todos os clássicos e jogos de risco, envolvendo as lideranças das torcidas e o comando do policiamento. Mapeamento de todos os coletivos espalhados pela cidade, identificação dos principais pontos de encontro, acerto de horários e trajetos, identificação dos pontos críticos e envio de destacamentos para locais pré-determinados entre o policiamento e as torcidas. Essas reuniões seriam espalhadas para os bairros, dando responsabilidade aos torcedores e facilitando as investigações de possíveis incidentes. A imprensa tomaria parte nesse ponto, ajudando na divulgação de trajetos e horários e dando voz às lideranças para que orientem seus associados. Ampliando a via de contato com os associados. As torcidas já se submeteram a cadastramentos humilhantes sem que nenhuma de nossas demandas fosse ouvida. Aqui nesse país se cadastra por prevenção, presumindo não a inocência, mas a culpa. Hoje, lemos a notícia que mais uma carteirinha mágica será feita para "acabar com a violência". Seria muito fácil se carteirinhas acabassem com a violência, não? Aliás, para que temos R.G.? Só mais uma burocracia irracional para satisfazer a ânsia por respostas da sociedade. Isso já não tinha sido feito, só com os “vândalos”? Mas os sábios da bola e da política não sabem nem que a maioria dos problemas ocorre não nas redondezas dos estádios, mas nos terminais longínquos dos bairros ou no centro da cidade, e nos trajetos para o estádio. Nesses pontos ninguém mostra carteirinha. Além do mais, leis inconstitucionais costumam ter vida curta. Carecem de vigência. O Capez sabe bem disso.

- uma campanha nacional utilizando todos os meios disponíveis para divulgar mensagens inteligentes para a construção da paz, inclusive com as lideranças participando do processo, empenhando suas imagens e suas palavras num compromisso. Também jogadores, ex-jogadores, personalidades ligadas ao esporte, e todos que possam contribuir.
Pela televisão, pelo rádio, panfletos e jornais. Coisa bem feita, com gente boa. De forma que possamos assim construir um ambiente no qual as pessoas saiam de casa com seus espíritos desarmados, sem disposição para a guerra. Um pouco diferente do que foi feito no último jogo entre Corinthians e São Paulo.

Falta parar de conversar fiado um pouco e arregaçar as mangas. Paz não cai do céu. Ela é fruto de emprenho.

Essa é a paz dos justos. Não é a paz dos que assistem aos jogos das cabines de transmissão, ou do conforto da sua sala, mas a paz dos que vivem a realidade não muito atraente dos estádios de futebol. Dos que convivem com a violência policial, dos que pagam preços abusivos pelos ingressos, dos que esperam pacientemente o horário-do-final-da-novela para o início do jogo, que andam quilômetros até o centrão para pegar o último busão para casa, que enfrentam os banheiros porcos e vêem seus clubes administrados por dirigentes corruptos. A paz dos que vêem seus ídolos trocar de time como trocam de camisa e que observam seus clubes se tornarem palco para atuação de meia dúzia de dirigentes e empresários interessados nos lucros do comércio dos menores boleros. E que ainda assim pagam 30, 40, 50 ou 70 reais para assistir a um jogo de futebol, na chuva ou no sol, na quarta e no domingo. Dos que sofrem a discriminação da imprensa e ainda assim pegam a estrada e rumam para os quatro cantos desse país acompanhando seu time. Dos que têm se acostumado com os escândalos envolvendo árbitros, sem deixar de se submeter às mais constrangedoras situações para extravasar seu grito de gol.

Num mundo regido pela matéria, pelo dinheiro, o não-inteligente não é aquele que não mede esforços para expressar o amor, mas aquele suficientemente racional e burocrático para se dizer inteligente porque tem medo de ir viver o amor. Amor e inteligência só combinam quando a inteligência está no ato de amar, já que depois que amamos, não parece ser inteligente o que nos dispomos a fazer. Todos nós.

O povo organizado incomoda, sempre. O receio maior é pela força que ali se esconde. Sim, muitas vezes mal direcionada, mal administrada. Mas ainda assim poderosa. Vai chegar a hora em que as torcidas entenderão o poder que possuem para transformar a realidade do nosso futebol e, juntas, utilizá-lo para lutar por preços de ingressos justos, por administrações competentes, por estádios que não desabem, por uma polícia humana, por uma imprensa digna, e por um modelo de futebol que seja mais condizente com a realidade do nosso país, que possui milhões de párias espalhados, esquecidos, enquanto o dinheiro e as páginas dos jornais só atingem a vida de meia dúzia de personalidades. A paz dos justos é dos párias também. A paz dos justos é responsabilidade de idosos, adultos e crianças, de homens e mulheres, de dirigentes, jogadores, policiais, jornalistas e torcedores, organizados ou não. A paz dos justos é de ricos e pobres, não só dos ricos. A paz dos justos quer não só um futebol diferente, mas um país.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Vozes da maioria silenciada....

Bom filme sobre o conflito....


http://www.idelberavelar.com/archives/2009/01/vozes_da_maioria_silenciada.php



Estou me retirando para me concentrar nos estudos, volto assim que possível...

sábado, 10 de janeiro de 2009

Do Haaretz....

Corneteiro, à contra-mão

Gideon Levy, Haaretz, Telavive, 8/1/2009, 15h http://www.haaretz. com/hasen/ pages/ShArt. jhtml?itemNo= 1053913

"Em resposta a uma pergunta do príncipe, que o consultava sobre como aumentar o poder de seu exército, para conquistar uma tribo do sul que resistia, Confucio respondeu:
"Destrói teu exército. Com o dinheiro que desperdiças hoje com o exército, ilustra teu povo e aprimora as artes da agricultura.
Assim a tribo do sul desertará do comando daquele príncipe e se submeterá ao teu comando, sem guerra."

[acréscimo meu, de "Patriotismo ou paz", Leo Tostoy, em http://salsa. net/peace/ conv/8weekconv7- 3.html]

Pode-se ir às fontes e citar Leo Tolstoy, por exemplo: "O patriotismo, na significação mais simples, mais clara e mais indubitável, nada é além de um meio para que os governantes obtenham o que ambicionam e alcancem seus desejos mais escusos; e para que os governados abdiquem da dignidade humana, da razão, da consciência e se auto-escravizem, sob o poder dos governantes. Os governantes sempre recomendam patriotismo aos governados. Patriotismo é escravidão."

E também: "Como se pode falar da racionalidade de homens que prometem qualquer coisa, inclusive matar, em assassinatos que os governos, isso é, alguns homens que chegam a algumas posições, comandarão?" Pode-se também recorrer a "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas". Mas há outra via: posso admitir que também sou patriota.

Poderia citar um e-mail que recebi de Mahmut Mahmutoglu, da Turquia: "Você é uma das mais belas vozes que vejo ou ouço, de Israel ... Hoje, depois de ler sua coluna, cheguei ter esperanças de paz e a crer que a humanidade prevalecerá." Porque há também Robert, que escreve de Israel, e que comentou a mesma coluna com uma frase: "Não sou médico, mas esse cara é doente." Ou o leitor George Radnay, um, dentre centenas, que escreveu de New York: "Exílio interno à moda russa. Deve ser instituído em Israel. Você e outros inimigos da raça humana devem ser exilados em Sderot. Sem poder fugir! Pregar o ódio, de bolso cheio e em poltrona estofada e com passaporte! Você deve ser preso em nome da decência e da paz."

A vasta maioria quer banir qualquer tipo de crítica, toda e qualquer manifestação de pensamento alternativo, de todos os sentimentos heréticos, sobretudo no que tenham a ver com essa guerra, a qual já estou cansado de amaldiçoar.

Nessa guerra, em todas as guerras, um espírito do mal desce sobre os homens. Um colunista pressuposto iluminado descreve a horrenda coluna de fumaça que sobe de Gaza como "pintura espetacular" ; o ministro da Defesa diz que as centenas de funerais em Gaza são demonstração das "realizações" de Israel; uma manchete enorme, "Feridos em Gaza" refere-se só a soldados israelenses feridos e vergonhosamente ignora os milhares de feridos palestinenses, cujas feridas não podem ser medicadas nos superlotados hospitais de Gaza; comentaristas objeto de lavagem cerebral festejam o imaginário sucesso da incursão; soldados objeto de lavagem cerebral pulam de arma na mão, na orgia do próximo combate, para matar, matar, para destruir homens e mulheres em massa, e provavelmente, deus nos guarde, para destruir-se também, eles mesmos, chacinar famílias inteiras, mulheres e crianças; apavorantes imagens idênticas ao que se viu em Darfur, do hospital Shifa, mostra crianças agonizando pelo chão; e a resposta patriótica é urrar: "Hurrah! Bem-feito! Hurrah! Glória ao país que faz tudo isso, essa barbárie."

Chora, meu país amado; esse não é o meu patriotismo. Mas meu patriotismo, ainda assim, é supremo patriotismo.

De fato, a reação furiosa contra qualquer mínimo farrapo de crítica faz-me pensar que, talvez, alguns israelenses já saibam, no fundo de seus corações esterilizados, dessensibilizados, que algo terrível arde sob seus próprios pés, que uma vasta conflagração ameaça fazer explodir o grosso, denso, estupefaciente, paralisante, espesso, venenoso nevoeiro que os envolve.

Que talvez não sejamos tão certos, tão bons como nos repetem que seríamos, da manhã à noite, talvez algo de horrendo esteja acontecendo ante os nossos olhos arregaladamente fechados. Se os israelenses tivessem tanta certeza da correção de sua causa, não seriam tão violentamente intolerantes, contra tudo e todos que tentam defender outra causa, outro ponto de vista.

Esse é precisamente a hora para criticar; não há melhor hora do que essa. Essa é a hora das grandes perguntas, das perguntas radicais, das perguntas decisivas.

Não perguntemos apenas se esse ou aquele outro movimento da guerra é certo ou errado, nem nos preocupemos apenas com estarmos ou não avançando "conforme planejado". Temos também se a própria idéia de nos ter posto nessa guerra é boa para os judeus, se é boa para Israel, e se o outro lado merece a desgraça que Israel lançou sobre ele.

Sim, até nas guerras - e sobretudo nas guerras - é preciso pensar também no outro lado. Saber que "crianças do sul" não significa apenas as crianças de Sderot, mas também as crianças de Beit Hanun, cujo destino é imensuravelmente mais amargo.

Nos encolher de vergonha e de culpa, à vista do Hospital Shifa não é traição: é sinal de que somos humanos. É sinal de que Israel conserva sua humanidade básica. É imperioso preocupar-se com o destino daquelas crianças, perguntar se é inevitável aquele sofrimento, se é justo, moral, legítimo. Perguntar se as coisas poderiam ter sido feitas de outro modo. Perguntar se não teria sido mais certo tentar outra linguagem, que não fosse a linguagem da violência, da força, que Israel invoca, sempre, rotineiramente, como a única linguagem que somos capazes de usar, a única que somos competentes para articular, como se nem soubéssemos que há outras.

É hora de perguntar sobre a atitude moral de Israel. A hora é agora, é precisamente agora, nenhum momento seria mais adequado; lançar dúvidas sobre essa horrenda guerra, perguntar se é útil, não fechar os olhos para o sangue e a dor do outro lado da fronteira, lá, do outro lado, na outra metade da nossa mesma humanidade.

O nosso tempo não pode ser tempo só de militarismo, só de uniformes e das fanfarras da guerra. O nosso tempo também é tempo de humanidade, de visão crítica, de compaixão. É tempo para uma imprensa que pensa, que critica, imprensa para seres humanos, não só tempo de imprensa insensível, cega, bestial. É tempo para uma imprensa que busque a verdade, não só e sempre um mesmo lado de propaganda e mentiras. Nosso tempo é precisamente o tempo de informar a opinião pública sobre os dois lados, sobre os dois lados da fronteira, por terrível que seja mostrar o outro lado das fronteiras de Israel, sem mentir, sem encobrir, sem varrer o horror (nosso horror) para baixo do tapete. Que os leitores façam o que queiram com a informação; que festejem ou que chorem sobre ela; mas que saibam o que está sendo feito em seu nome. Hoje, esse é o único papel que se pode esperar de jornalistas que tenham olhos na cara, cérebro no crânio e que, sobretudo, tenham alguma espécie de coração no peito.

Gente que use todos os seus sentidos em tempos difíceis, não é gente menos patriótica do que os que fechem os olhos, obscureçam os sentidos, deixem que lhes lavem o cérebro. Quem mais for patriota hoje, em Israel, tem de dizer: "Basta!"

Patriotismo? Quem sabe aferir quem mais ajuda e quem mais desgraça o Estado de Israel hoje? E unir-se ao coro dos cegos, dos imbecis? Mais ajuda ou mais desgraça Israel hoje? Ou, talvez, a melhor e maior contribuição que se possa oferecer à democracia e à imagem do Estado de Israel, hoje, seja levantar as questões, propor as perguntas mais duras, mais difíceis, hoje, precisamente nesses tempos? Será hora para silenciar, e esfrangalhar ainda mais a frágil democracia israelense, ou será hora de tentar salvá-la, de defender não só o direito de calar e concordar, mas, hoje, também o direito de gritar, discordando? O punhado de israelenses que lutam para salvar Israel serão, talvez, menos bons israelenses? Serão talvez menos preocupados com o destino do país, do que a maioria, que hoje já nada vê, se não for pela mira dos canhões?

E desde quando alguma maioria seria garantia de justiça? Faltam exemplos na história de Israel? Na história moderna, na história antiga, na história universal ou na história de Israel, de casos em que a maioria esteve mortalmente errada, e a minoria, certa?

Será que uma voz diferente, baixa, ocultada que seja, mas que ainda assim emerge de dentro dessa Israel escura da "maioria", não poderá lançar alguma luz sobre Israel, mais para salvar Israel aos olhos da comunidade internacional, do que para ofender Israel? Um assovio na escuridão sempre é um assovio, um sinal de vida, quando a escuridão que desceu sobre Israel nada é, se comparada à escuridão que Israel fez descer sobre Gaza.

A hora é hoje, para perguntar as perguntas que - ninguém duvide - serão perguntadas depois, então, é claro, desgraçadamente tarde demais. E quem é o traidor? Quem decidiu em nosso nome que fazer essa guerra seria patriotismo, ou quem diga que fazer essa guerra é trair Israel? Só seriam patriotas os militares, os nacionalistas, os chovinistas que, sim, há em Israel? Só esses? Só eles? Terão alguma franquia proprietária, sobre o patriotismo? Ou, talvez, serão patriotas os judeus norte-americanos da extrema-direita? Aqueles que entram em delírio orgiástico cada vez que Israel põe-se a matar e destruir? Quem decide sobre patriotismo? Não será o caso de ver que o terrível dano que Israel está sofrendo, por causa dessa guerra, é, esse sim, a maior de todas as traições?

Já cobri outras guerras. No inverno de 1993, vi Sarajevo sitiada e vi lá o que nunca havia visto em Israel. Até que começou a guerra de Gaza. Nunca conseguirei esquecer uma velha, bósnia, escavando a terra com os dedos, à procura de alguma raiz para comer. Não esquecerei o pânico, nas ruas, para escapar dos tiros, a bomba que destruir o mercado, a música que vinha de um rádio velho, numa noite de nuvens pesadas, de dentro da escuridão, em plena cidade sitiada: "La ultima noche." A última noite. No verão passado cobri a guerra da Georgia, vi refugiados correndo, com seus miseráveis pertences, tentando encontrar algum abrigo, qualquer abrigo, os olhos duro, cheios de medo e de ódio. Naquelas duas guerras senti-me distante, afastado, dessensibilizado, como correspondente de guerra que vive de uma guerra, para a outra, para outra. Naquelas guerras, não éramos cúmplices, nem eu era cúmplice, nem meus filhos eram cúmplices, nem os amigos dos meus filhos eram cúmplices de um crime.

Então, foi fácil, para mim, emocionalmente e relativamente fácil, naquele caso, cobrir a guerra, escrever sobre ela. Hoje e aqui, não. Hoje e aqui se trava a minha guerra, nossa guerra, guerra pela qual todos os israelenses somos responsáveis, e pela qual todos somos culpados.

Indispensável, inadiável, para todos os israelenses fazer ouvir a nossa voz, uma voz diferente, "alucinatória" , talvez, para ouvidos dessensibilizados, insensíveis, voz que soa como "traição", de "ódio aos judeus". Uma voz diferente. Uma voz que diz "Não!" a essa guerra. É mais do que direito meu, direito nosso; é nosso absoluto dever em relação ao Estado ao qual estamos tão visceralmente ligados. Vai-se ver, somos nós, sou eu, o canalha patriota.

[As partes desta mensagem que não continham texto foram removidas]

Por que nos odeiam tanto?!


"Por que nos odeiam tanto?!"
Que, pelo menos, ninguém minta que não sabe por quê.


Robert Fisk - 7/1/2009

The Independent, 7/1/2009

http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-why-do-they-hate-the-west-so-much-we-will-ask-1230046.html

Assim, mais uma vez, Israel abriu as portas do inferno sobre os palestinenses. 40 refugiados civis mortos numa escola da ONU, mais três noutra. Nada mau, para uma noite de trabalho do exército que acredita na "pureza das armas". Não pode ser surpresa para ninguém.

Esquecemos os 17.500 mortos – quase todos civis, a maioria mulheres e crianças – de quando Israel invadiu o Líbano, em 1982? E os 1.700 civis palestinos mortos no massacre de Sabra-Chatila? E o massacre, em 1996, em Qana, de 106 refugiados libaneses civis, mais da metade dos quais crianças, numa base da ONU? E o massacre dos refugiados de Marwahin, que receberam ordens de Israel para sair de suas casas, em 2006, e foram assassinados na rua pela tripulação de um helicóptero israelense? E os 1.000 mortos no mesmo bombardeio de 2006, na mesma invasão do Líbano, praticamente todos civis?

O que surpreende é que tantos líderes ocidentais, tantos presidentes e primeiros-ministros e, temo, tantos editores e jornalistas tenham acreditado na mesma velha mentira: que os israelenses algum dia tenham-se preocupado com poupar civis. "Israel toma todo o cuidado possível para evitar atingir civis", disse mais um embaixador de Israel, apenas horas antes do massacre de Gaza.

Todos os presidentes e primeiros-ministros que repetiram a mesma mentira, como pretexto para não impor o cessar-fogo, têm as mãos sujas do sangue da carnificina de ontem. Se George Bush tivesse tido coragem para exigir imediato cessar-fogo 48 horas antes, todos aqueles 40 civis, velhos, mulheres e crianças, estariam vivos.

O que aconteceu não foi apenas vergonhoso. O que aconteceu foi uma desgraça. "Atrocidade" é pouco, para descrever o que aconteceu. Falaríamos de "atrocidade" se o que Israel fez aos palestinenses tivesse sido feito pelo Hamás. Israel fez muito pior. Temos de falar de "crime de guerra", de matança, de assassinato em massa.

Depois de cobrir tantos assassinatos em massa, pelos exércitos do Oriente Médio – por sírios, iraqueanos, iranianos e israelenses – seria de supor que eu já estivesse calejado, que reagisse com cinismo. Mas Israel diz que está lutando em nosso nome, contra "o terror internacional". Israel diz que está lutando em Gaza por nós, pelos ideais ocidentais, pela nossa segurança, pelos nossos padrões ocidentais.

Então também somos criminosos, cúmplices da selvageria que desabou sobre Gaza.

Reportei as desculpas que o exército de Israel tem oferecido ao mundo, já várias vezes, depois de cada chacina. Dado que provavelmente serão requentadas nas próximas horas, adianto algumas delas: que os palestinenses mataram refugiados palestinenses; que os palestinenses desenterram cadáveres para pô-los nas ruínas e serem fotografados; que a culpa é dos palestinenses, por terem apoiado um grupo terrorista; ou porque os palestinenses usam refugiados inocentes como escudos humanos.

O massacre de Sabra e Chatila foi cometido pela Falange Libanesa aliada à direita israelense; os soldados israelenses assistiram a tudo por 48 horas, sem nada fazer para deter o morticínio; são conclusões de uma comissão de inquérito de Israel. Quando o exército de Israel foi responsabilizado, o governo de Menachem Begin acusou o mundo de preconceito contra Israel. Depois que o exército de Israel atacou com mísseis a base da ONU em Qana, em 1996, os israelenses disseram que a base servia de esconderijo para o Hizbóllah. Mentira.

Os mais de 1.000 mortos de 2006 – uma guerra deflagrada porque o Hizbóllah capturou dois soldados israelenses na fronteira – não foram crimes do Hizbóllah; foram crimes de Israel.

Israel insinuou que os corpos das crianças assassinadas num segundo massacre em Qana teriam sido desenterrados e expostos para fotografias. Mentira.

Sobre o massacre de Marwahin, nenhuma explicação. As pessoas receberam ordens, de um grupo de soldados israelenses, para evacuar as casas. Obedeceram. Em seguida, foram assassinadas por matadores israelenses. Os refugiados reuniram os filhos e puseram-se à volta dos caminhões nos quais viajavam, para que os pilotos dos helicópteros vissem quem eram, que estavam desarmados. O helicóptero varreu-os a tiros, de curta distância. Houve dois sobreviventes, que se salvaram porque fingiram estar mortos. Israel não tentou nenhuma explicação.

12 anos depois, outro helicóptero israelense atacou uma ambulância que conduzia civis de uma vila próxima – outra vez, soldados israelenses ordenaram que saíssem da ambulância – e assassinaram três crianças e duas mulheres. Israel alegou que a ambulância conduzia um ferido do Hizbóllah. Mentira.

Cobri, como jornalista, todas essas atrocidades, investiguei-as uma a uma, entrevistei sobreviventes. Muitos jornalistas sabem o que eu sei. Nosso destino foi, é claro, o mais grave dos estigmas: fomos acusados de anti-semitismo.

Por tudo isso, escrevo aqui, sem medo de errar: agora recomeçarão as mais escandalosas mentiras. Primeiro, virá a mentira do "culpem o Hamás" – como se o Hamás já não fosse culpado dos próprios crimes! Depois, talvez requentem a mentira dos cadáveres desenterrados para fotografias. E com certeza haverá a mentira do "homem do Hamás na escola da ONU". E com absoluta certeza virá também a mentira do anti-semitismo. Os líderes ocidentais cacarejarão, lembrando ao mundo que o Hamás rompeu o cessar-fogo. É mentira.

O cessar-fogo foi rompido por Israel, primeiro dia 4/11; quando bombardeou e matou seis palestinenses em Gaza e, depois, outra vez, dia 17/11, quando outra vez bombardeou e matou mais quatro palestinenses.

Sim, os israelenses merecem segurança. 20 israelenses mortos nos arredores de Gaza é número escandaloso. Mas 600 palestinenses mortos em uma semana, além dos milhares assassinados desde 1948 – quando a chacina de Deir Yassin ajudou a mandar para o espaço os habitantes autóctones dessa parte do mundo que viria a chamar-se Israel – é outro assunto e é outra escala.

Dessa vez, temos de pensar não nos banhos de sangue normais no Oriente Médio. Dessa vez é preciso pensar em massacres na escala das guerras dos Bálcãs, dos anos 90. Ah, sim.

Quando os árabes enlouquecerem de fúria e virmos crescer seu ódio incendiário, cego, contra o Ocidente, sempre poderemos dizer que "não é conosco". Sempre haverá quem pergunte "Por que nos odeiam tanto?" Que, pelo menos, ninguém minta que não sabe por quê.

"Todos os homens estão presos numa teia inescapável de mutualidade; entrelaçados num único tecido do destino. O que quer que afete a um diretamente, afeta a todos indiretamente.
Não posso nunca ser o que deveria ser até que você seja o que deveria ser e você não pode nunca ser o que deveria ser até que eu seja o que devo ser".

Martin Luther King

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Simple like that!

"A lista de crimes de guerra de Israel é longa. Se esse é o "mundo livre" cujos valores são defendidos por Israel, então não queremos fazer parte dele."
Khaled Meshal, líder do Hamas exilado na Síria

Essa semana acho que consolidei minhas posições sobre a situação do povo palestino. Não acredito mais em dois estados vivendo em pé de igualdade, lado a lado. Israel nunca quis isso, e assim como o Hamas tem em sua carta de fundação que o Estado deve ser destruído, Israel foi fundado como um estado racista que é, no qual não seriam aceitos cidadãos que não fossem do "povo escolhido". Por isso eles vêm, sistematicamente, praticando o genocídio do povo palestino, assassinando sua cultura, suas crianças e suas mulheres, construindo suas colônias e assentamentos sobre os escombros das vilas palestinas. O fato é que os 300 mil colonos na Cisjordânia e os 200 mil em Jerusalém Oriental, todos criminosos, fatiaram o que restou das terras palestinas num enorme queijo suiço no qual os buracos são rodeados de muros e check-points, que impedem a dignidade e o trânsito dos moradores dos guetos. A política do fato consumado de Israel, que não conseguiu acabar com todos os árabes no ano de sua fundação, vai inflingir uma dura lição aos sionistas. Em pouco tempo, terão que aceitar um estado com dois povos, vivendo lado a lado em condições de igualdade, como sempre deveria ter sido. O terrorismo de estado Israelense, que usa bombas de fragmentação e urânio empobrecido sobre uma população boicotada, sem remédio e alimento, um dia irá cessar. Um dia os hipócritas que governam o mundo terão que dar um basta nisso. Mas a resistência palestina é infindável, apoiada em valores morais, não em armas. Davi contra Golias. E Davi vai vencer...

Parabéns à Venezuela, por mandar voltar seu embaixador de Tel-Aviv, e por expulsar o representante do sionismo racista das suas terras. Parabéns Marco Aurélio, por declarar nada mais que a verdade, e deixar bem claro que o que pratica Israel não é auto-defesa, é terrorismo de Estado. Um dia, como lição, terão que dividir o poder com os "fundamentalistas" (como deve ser chamado alguém que acha que tem o direito de construir sua casa sobre a ruína da casa do próximo por estar em sua "terra prometida"???) do Hamas, ou de qualquer grupo que represente o povo palestino. Essa é sua sina, Israel....

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O gueto de Gaza...


Trecho do artigo do professor Joseph Massad (íntegra: http://electronicintifada.net/v2/article10110.shtml)...


..."O levante dos judeus do Gueto de Varsóvia é muito lembrado pelos palestinenses. No auge da OLP como símbolo da luta de libertação dos palestinenses, a organização depôs coroas de flores no monumento ao Gueto de Varsóvia para homenagear e honrar aqueles heróis judeus.

Szmul Zygielbojm era líder do partido socialista judeu, o Bund, na Polônia e lutou na resistência contra a invasão nazista em 1939. Foi feito refém pelos nazistas, depois foi solto e tornado membro do Conselho Judeu, o judenrat, equivalente à Autoridade Colaboracionista Palestina reinventada hoje pelos israelenses, e encarregado de construir um gueto de judeus em Varsóvia. Zygielbojm resistiu à ordem dos nazistas e fugiu para a Bélgica, depois para a França, os EUA e, em 1942, chegou a Londres, onde uniu-se ao governo polonês no exílio. Dia 12 de maio de 1943, depois de saber que a resistência no Gueto de Varsóvia fora finalmente esmagada com muitos combatentes mortos, Zygielbojm abriu o gás do fogão de seu apartamento em Londres e matou-se em protesto contra a indiferença e a inação do aliados ante o sofrimento dos judeus na Europa ocupada pelos nazistas. Sentiu que não teria o direito de viver mais que seus camaradas assassinados na luta de resistência contra os nazistas.

Na carta que deixou, Zygielbojm escreveu que os nazistas são os assassinos dos judeus poloneses, tanto quanto os Aliados, assassinos, também, por inação e por omissão:

"Notícias que nos chegam da Polônia deixam claro, além de qualquer dúvida, que os alemães estão assassinando os últimos sobreviventes judeus com, com crueldade desmedida. Por trás dos muros do gueto representa-se hoje o último ato dessa tragédia.

A responsabilidade pelo crime de assassinato dos judeus poloneses é, em primeiro lugar, dos que os matam diretamente. Indiretamente, são todos culpados, toda a humanidade, todas as nações aliadas e seus governos que, até o fim, nada fizeram para impedir que esse crime se consumasse. Por assistirem passivamente ao assassinato de milhões de crianças, de homens e de mulheres indefesos, todos são cúmplices dos assassinos.

Já não posso continuar em silêncio – portanto não posso continuar vivo – enquanto prossegue aquela carnificina. Meus amigos do Gueto de Varsóvia estão caindo de armas em punho, lutando sua última batalha. Não posso estar lá, com eles, mas sou um deles e reinvindico a mesma vala comum.

Que a minha morte manifeste o mais radical protesto conta a inação do mundo que assiste e deixa que prossiga o massacre dos judeus."

A Autoridade Colaboracionista Palestina que comanda o judenrat inventado em Oslo jamais sequer tentou resistir às ordens que recebe de Israel. Nenhum dos atuais chefes renunciou ou, no mínimo, recusou-se a servir, servil. Máhmude Abbas, que tantos serviços desonrosos presta ao governo israelense, não conhece os valores de integridade e nobreza que inspiraram a luta de resistência de Zygielbojm.

Enquanto isso, os palestinenses resistem à invasão pelo exército de Israel como podem, contra inimigo astronomicamente mais forte. Os palestinenses, como, antes deles, Zygielbojm, sabem perfeitamente que Abbas, sua claque, as ditaduras árabes, os EUA e a Europa são criminosos, autores do massacre, tanto quanto o governo de Israel. Zygielbojm acusou toda a humanidade, todas as grandes potências, de inação e indiferença. No massacre da Palestina, o mundo e as potências regionais são co-conspiradores e parceiros ativos no crime.

Esmagar o Levante do Gueto de Gaza e massacrar uma população indefesa será trabalho relativamente fácil para a gigantesca máquina de matar que é Israel e para os seus políticos sádicos. Muito mais difícil será o dia seguinte, quando os palestinenses voltarão muito mais determinados a resistir e será muito mais difícil a luta, para Israel e as ditaduras árabes aliadas.

Enquanto milhares de palestinenses mortos e feridos são vítimas hoje da guerra terrorista que lhes move Israel, os reais derrotados são Abbas e sua gang de colaboracionistas. O teste radical, para a resistência palestina, é prosseguir, É continuar a negar a Israel o direito de conquistar, de ocupar, de roubar terras, de destruir o futuro dos jovens, de aprisioná-los em guetos e de matá-los de fome sem encontrar resistência.

Ao longo de quase um século, a Palestina tem resistido às atrocidades cometidas pelos sionistas israelenses, sempre empenhados em tentar apagar a Palestina da face da terra. Embora os sionistas sempre tenham procurado e recrutado colaboracionistas, desde o início, na esperança de esmagar a resistência na Palestina, ainda não conseguiram conter a resistência. Lição que os sionistas podem aprender hoje é que não são capazes de extinguir a resistência na Palestina, por mais bárbaros que sejam os massacres e as chacinas. O Levante do Gueto de Gaza será o último capítulo da luta contra o colonialismo no mundo. E marcará o fim da selvageria colonialista de Israel. Depois, então, nunca mais haverá no mundo qualquer ocupação colonial européia."

Joseph Massad é Professor Associado de Política Árabe Moderna
e História Intelectual Árabe Moderna da Columbia University, em New York.